O recente movimento de paralisação dos caminhoneiros, iniciado no dia 21 e, aparentemente, encerrado ontem, 30/05/2018, revelou algumas debilidades estruturais do país, e a dependência em que nos encontramos de um meio de transporte baseado exclusivamente em combustíveis, principalmente a gasolina. Escrevo para adquirir clareza a respeito desses assuntos, e para que isto sirva para embasar reflexões futuras. Dividirei a exposição em alguns pontos:
- A dependência do transporte rodoviário: o primeiro e mais evidente problema, é a dependência em que nos encontramos do transporte rodoviário, principalmente daquele baseado em combustíveis fósseis. A falta de investimento por parte do governo, há décadas – possivelmente, desde a era JK, quando o país optou pela matriz de transporte baseado na gasolina –, com a consequente desativação da malha ferroviária então existente. O governo acaba de anunciar a finalização de um Plano Nacional de Logística, em preparo há dois anos e, coincidentemente, pronto exatamente agora (Estado de São Paulo, 31/05/2018, página A4) pelo qual se pretende “ampliar em 100% a participação ferroviária até 2025”. Já não era sem tempo! O transporte de cargas e de passageiros pode ser feito de maneira mais eficiente, e com menor custo econômico. Também se trata de um meio de transporte mais seguro. O número de mortos em acidentes automobilísticos equivale a uma “guerra civil”, como mostrou Luís Mir em livro homônimo (Guerra civil – Estado e trauma. São Paulo: Geração Editorial, 2004). Também haveria um benefício ecológico evidente, com a utilização de meio de transporte menos poluente. O mesmo se aplica ao transporte fluvial, pouco utilizado no Brasil.
- A dependência do automóvel: é conhecido o problema, e a greve dos caminhoneiros só evidenciou essa questão, a saber, a de que dependemos do transporte motorizado, particularmente do automóvel, para realizar a maioria de nossas atividades no dia a dia. Tinham razão os ambientalistas, que já apontavam esse como um dos problemas relacionados à poluição. Precisamos mudar nosso modo de vida. Para isso, é preciso fortalecer as economias locais, e aproximar o lugar de residência do lugar de trabalho, possibilitando a utilização de meios de transportes alternativos, como a bicicleta, patins, skate, e mesmo a caminhada. Isto não parece mais delírio de utopistas ecológicos. Deve-se ressaltar que a utilização do meio de transporte individual, o carro, é em muitos casos necessária devido à precariedade, ineficiência e/ou insuficiência dos meios de transporte públicos oferecidos.
- Centralização da distribuição de bens, serviços e alimentos: o movimento grevista também deixou claro que há algo errado na forma de distribuição das mercadorias e dos serviços. Ela é extremamente centralizada: ocorre com frequência o absurdo de as mercadorias comestíveis serem enviadas para um centro de distribuição, como a CEASA, em São Paulo, para depois voltarem para seus locais de origem, gerando desperdício e aumento do custo, sem falar da poluição associada a esse transporte. É preciso voltar a incentivar a produção e distribuição locais. Isto também fortaleceria os produtores locais e diminuiria o custo para os consumidores, tendo reflexos ainda no aumento da qualidade dos alimentos oferecidos. O mesmo raciocínio se aplica ao setor de serviços. O treinamento e a instalação de postos de serviço especializado nas áreas de telefonia, informática, mecânica e outros ajudaria a desenvolver as economias locais e diminuir a dependência dos grandes centros urbanos, colaborando também para a diminuição do inchaço desses polos e, com isso, mais uma vez, contribuindo para a diminuição da poluição.
- Carga tributária elevada: outro aspecto que ficou evidenciado ao longo da cobertura jornalística do movimento dos caminhoneiros e a crise que veio à tona com ele, é a excessiva carga tributária que incide sobre a maioria de nossos produtos, e particularmente sobre os combustíveis. Entre o preço pelo qual a gasolina é vendida na refinaria (hoje cerca de R$ 1,90) e o preço praticado nos postos (em média, R$4,50, antes da greve), o aumento desse valor para o consumidor final se explica pela excessiva carga tributária praticada sobre esse produto, em torno de 40% do valor original. Pagamos “impostos em cascata”: em tudo o que consumimos pagamos vários impostos acumulados. Com a descentralização econômica defendida neste artigo, essa carga tributária seria diminuída, contribuindo para a elevação da renda média do brasileiro e para a geração de empregos. Hoje, os impostos que pagamos servem em grande parte para sustentar a máquina administrativa que cobra esses impostos! Precisamos de fiscais para controlar todo esse fluxo, que vai dos Municípios à União, passando pelos Estados. Volta uma parcela ínfima desse valor pago. Além disso, há uma perda enorme que ocorre nessa movimentação financeira, sem falar da corrupção envolvida, facilitada pela extensão dessa cadeia econômica.
Não sou economista, apenas filósofo – no sentido amplo de intelectual – , mas espero contribuir com estas reflexões para que alguém mais competente se anime a sistematizar o que aqui se colocou como esboço.